São os anjos caídos de
Judas 6 os filhos de Deus de Gênesis 6.2 ?
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Fonte: Amino App |
Introdução.
Gênesis
6:1-4 tem sido considerado como uma das passagens mais obscuras de toda a
Bíblia. Dificuldades surgem em cada aspecto do texto e esses poucos versos têm
provocado muita controvérsia quanto à sua compreensão e ao significado de seus
temas.
Uma dessas questões
controversas diz respeito à identidade dos "filhos de Deus" e das
"filhas dos homens", mencionados nesses versos. Quem eram esses
"filhos de Deus"? Seriam eles seres sobrenaturais ou simples seres
humanos? Quem eram essas "filhas dos homens"? Como entender Gênesis
6:1-4? Seria uma passagem mitológica que fala da união de seres divinos com
mulheres humanas, de forma semelhante ao que é encontrado na mitologia grega e
na do Antigo Oriente Médio?
(Revista Virtual Herança Judaica)
Esta dúvida tem sido motivo de
muitas opiniões, exemplo:
1. A linhagem piedosa de Sete (ver a genealogia em Gên. 5.3
ss.).
2. Semideuses ou heróis, como aqueles do folclore grego ou
latino.
3. Anjos caídos, mas considerados seres materiais. Talvez nessa
ocasião, a teologia dos hebreus ainda não concebesse seres imateriais. Para
eles, os anjos eram uma classe diferente e mais alta de seres, mas não
imateriais, como se vê na teologia posterior.
4. Anjos bons, mas não seres imateriais.
5. Anjos bons ou maus, mas seres imateriais.
6. Homens incomuns, como uma raça especial de gigantes.
7. Homens proeminentes, como juízes, governantes, sacerdotes,
etc.
8. Seres estranhos que não podem ser definidos.
9. Os críticos dizem que o relato é mitológico, pelo que não há
como dar uma interpretação correta.
10. Homens comuns, mas controlados por forças sinistras, como
anjos caídos. (Comentário Champlin)
As principais
interpretações
Através da história do estudo dessa
passagem, três interpretações têm se destacado:
- A primeira, a interpretação mitológica, na qual os
"filhos de Deus" são vistos como seres celestes, sendo ou anjos ou
deuses.
- A segunda, a interpretação real, na qual eles são considerados
como sendo reis ou governantes, homens com status de realeza.
- A terceira, a interpretação setita, a qual os considera como
sendo os descendentes de Sete, homens da linhagem dos fiéis a Deus dentre os
descendentes de Adão.
A interpretação mitológica
A interpretação dos
"filhos de Deus" como seres celestes era bem comum na antiga
literatura judaica. O livro de 1 Enoque, capítulos 6 e 7, o Livro dos Jubileus,
capítulo 5, Filo de Alexandria (De Gigant 2:358), Josefo (Ant. 1.31), os Manuscritos
do Mar Morto (1QapGen 2:1; CD 2:17-19) identificaram os "filhos de
Deus" como sendo anjos. Alguns dos primeiros exegetas cristãos (como
Justino, Clemente de Alexandria e Tertuliano) fizeram o mesmo.
A interpretação
mitológica é também a mais comum entre os acadêmicos de hoje. Alguns desses
acadêmicos, permanecendo dentro de um contexto mais "bíblico",
identificam os "filhos de Deus" com os anjos. Outros, aceitando a
passagem como originária de um contexto politeísta, vêem os "filhos de
Deus" como seres divinos, deuses mitológicos que teriam vindo à terra e se
unido em casamento com mulheres humanas.
Os principais
argumentos apresentados a favor da interpretação mitológica são:
- Primeiro. Em outras partes do AT, a expressão "filhos de
Deus" se refere a seres celestes, a criaturas divinas (como em Sl 29:1;
89:7; Jó 1:6; 2:1; 38.7). O Livro
Apócrifo de Enoque, no capítulo 15.1-6 descreve o relacionamento dos anjos com
as mulheres e também o resultado desta relação, o surgimento de uma anomalia,
os gigantes.
- Segundo. O contraste entre as expressões "filhos de
Deus" e "filhas dos homens" indica seres de natureza diferente
entre si. O primeiro grupo é divino e celestial, enquanto o segundo é humano e
terrestre.
- Terceiro. Judas 6 anjos... não guardaram.
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imagem logos apologetia |
Essa apostasia dos anjos caídos é
descrita em Gn 6.1-3 que, por sua vez, coabitaram com mulheres. A transição
imediata para Sodoma e Gomorra no v. 7 aponta para a semelhança do pecado do
homossexualismo e o que esses anjos fizeram em Gn 6.
Ele os tem mantido em trevas,
presos... No capítulo 18.1-5 e no capítulo
19.1,2, no Livro “Os Segredos de Enoque”, relata sobre a prisão destes anjos
que pecaram contra Deus.
Juízo... grande Dia. Refere-se ao juízo final,
quando todos os demônios e Satanás forem enviados para sempre para o "lago
de fogo" preparado para eles (Mt 25.41; Ap 20.10) e para todos os ímpios
(Ap 20.15).
Sodoma... Gomorra.. A destruição dessas
cidades que ficam no extremo sudeste do mar Morto é usada mais de 20 vezes na
Escritura como uma ilustração do juízo de Deus durante os dias de Abraão e Ló
(cf. Gn 18.22-19.29). Essa destruição foi conseqüência da apostasia do povo,
uma vez que ocorreu 450 anos depois do dilúvio, quando, pelo menos, um dos
filhos de Noé (Sem, Gn 11.10-11) ainda estava vivo. Uma vez que isso aconteceu somente
cem anos depois da morte de Noé (Gn 9.28), as pessoas tinham conhecimento da
mensagem de justiça e juízo de Deus que Noé havia pregado e, ainda assim, a
rejeitaram. (Bíblia de Estudo John Macarthur).
- Quarto. Esses anjos assumiram corpos humanos para se
relacionarem com as mulheres (Judas 6; 2 Co 5). Como exemplo: os anjos
comiam,eram vistos como varões, entravam em luta corporal, os varões
pervertidos de Sodoma e Gomorra quiseram manter relações sexuais com os dois
anjos na casa de Ló (conhece-los).
- Quinto. O resultado desse relacionamento promíscuo teve como
resultado o surgimento dos Nefilim/Gigantes, em hebraico “benai elohim” (caídos,
lançados ao chão).
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Fonte gigantes: somos fisicos |
- Sexto. A “interpretação angélica” (que eram anjos, ou algum
tipo de seres divinos) quase não existe no Judaísmo. O substantivo הָֽאֱלֹהִים֙
(Elohim) está no plural, e pode ser lido não apenas como “Deus”, mas também
como “deuses” ou mesmo “senhores, governantes”, e é exatamente assim que os
comentários Judaicos escolhem ler esta palavra neste verso particular.
No entanto, se estudarmos o uso
desta expressão בְנֵי־הָֽאֱלֹהִים֙ no
Tanach (Bíblia Hebraica, coleção canônica dos textos Israelitas), veremos um
quadro completamente diferente. Não há melhor comentário para a Bíblia do que a
própria Bíblia.
A expressão “filhos de Deus” não
ocorre muitas vezes no Tanach. A próxima vez que nos deparamos com esta
expressão é em Jó 1:6: Houve um dia em que os filhos de Deus vieram se
apresentar perante o Senhor e Satanás veio também entre eles. Temos a mesma
expressão novamente em Jó 2:1: Chegou de novo o dia em que os filhos de Deus
vieram se apresentar perante o SENHOR e Satanás veio também entre eles se
apresentar perante o SENHOR.
Ninguém questiona aqui o significado
de “os filhos de Deus”. As palavras em Hebraico aqui traduzidas como “filhos de
Deus”, são exatamente as mesmas de Gênesis 6:2: בְּנֵ֣י הָאֱלֹהִ֔ים –b’nai ha
Elohim–.
A próxima (e a última, pelo menos
em Hebraico) referência a “filhos de Deus” no Tanach é novamente no livro de
Jó, no capítulo 38.7. Falando sobre a criação do universo, Deus está dizendo:
Eu lancei as bases da terra… Quando as estrelas da manhã cantavam juntas, e
todos os filhos de Deus rejubilavam.
A partir deste verso, podemos ver
que os filhos de Deus existiam antes mesmo da própria Terra ser criada. Isso
indica que cada uso do termo: b’nai ha Elohim ou b’nai Elohim no Antigo
Testamento, é, de fato, uma referência aos seres angelicais. Assim, podemos
concluir que “os filhos de Deus” em Gênesis 6 também se refere aos anjos.
- Sétimo. A partir do século V é que “os filhos de Deus” em
Gênesis passou a ser interpretado como sendo os descendentes de Sete.
Antigamente, até mesmo o livro de Enoque era bem conhecido do povo judeu.
A interpretação real
Nessa interpretação, a expressão "filhos
de Deus" é vista como se referindo a reis, a governantes poderosos que
estabeleceram haréns reais pela força ou que violentavam mulheres de forma
indiscriminada. Esta interpretação é também encontrada na antiga literatura
judaica.
O Targum Onkelos e o Targum
Jonathan traduzem a expressão "filhos de Deus" como "filhos dos
nobres" na LXX, Símacus traduziu a expressão por "filhos dos
poderosos". Vários exegetas judeus
seguiram essa interpretaçâo, e assim o fizeram alguns intérpretes cristãos, às
vezes com uma certa nuance.
Os principais argumentos a favor
dessa interpretação são:
- Primeiro. Os juízes são aparentemente identificados
com os deuses e os filhos do Altíssimo em Salmo 82. O rei davídico é chamado de
"filho de Deus" em 2 Samuel 7:14 e Salmo 2:7. Além dessa evidência
bíblica, existe também a evidência das culturas antigas, nas quais os reis eram
identificados como tendo uma origem divina.
- Segundo. Esta interpretação toma a sério a
frase "tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhe
agradaram", que indica verdadeiros casamentos e não um tipo de união
mitológica. Esta frase fala também acerca do poder dos reis de fazer o que bem
quisessem.
- Terceiro. Essa interpretação torna
inteligível o julgamento divino que sobreveio sobre toda a humanidade, em vez
de atingir somente aqueles que estiveram envolvidos no ato em si (os
"filhos de Deus", as "filhas dos homens" e seus filhos).
A interpretação setita
Essa interpretação identifica os
"filhos de Deus" com homens descendentes da linhagem de Sete, ou
seja, daqueles que tinham se mantido fiéis a Deus (Gn 5). As "filhas dos
homens" seriam mulheres da ímpia linhagem de Caim (Gn 4:17-24). Este modo
de interpretar o texto tem sido muito comum no meio cristão desde os tempos
patrísticos. Hoje, ele é mais comum no meio cristão conservador, mas há alguns
exegetas mais liberais que o adotam também.
Os principais
argumentos a favor dessa interpretação são:
- Primeiro. Os homens eram também
chamados de "filhos de Deus" na Bíblia (Êx 4:22, 23; Dt 14:1; 32:5,6;
Sl 73:15; 82:6; Os 1:10; Ml 1:6), não diretamente como “filhos de Deus” em
Gênesis 6.2.
- Segundo. Não há nenhuma
referência na Bíblia que apóie a idéia de que anjos ou demônios sejam seres
dotados de funções sexuais, enquanto que o contrário é expressamente declarado
em Mateus 22:30.
- Terceiro. No contexto que precede
o capítulo 6, a família de Sete é diferenciada da família de Caim num plano
religioso. Os Setitas eram aqueles que invocavam "o nome do Senhor"
(Gn 4:26); enquanto que os Caimitas eram os descendentes de uma linhagem ímpia
(Gn 4:17-24).
- Quarto. A expressão "tomar
mulher" é uma expressão comum no AT para o casamento e não denota nenhuma
relação anormal entre anjos e seres humanos.
- Quinto. O Codex Alexandrinus (Manuscrito da Bíblia em grego Koiné do
século V. Ele contem a maior parte da Septuaginta e o Novo Testamento),traduziu a
expressão “os filhos de Deus” de Gênesis 6.2 por “os anjos de Deus”, mas de
acordo com Alfred Rohalphs, na nota de rodapé da Septuaginta, o texto foi
reescrito – foi apagado e em seu lugar foi escrito “anjos de Deus”.
- Sexto. Se os "filhos de
Deus" eram anjos, alguma referência de juízo sobre eles deveria aparecer
no texto também. No entanto, o juízo cai somente sobre os homens. Portanto, o
texto parece indicar que somente a humanidade esteve envolvida na falta que foi
cometida.
- Sétimo. Não há como explicar a
presença de gigantes depois do dilúvio, uma vez que toda vida na terra, com
exceção aos que estavam na arca, foram exterminadas.
(Revista Apologética Cristã – Anjos
Caídos)
Implicações
nas principais interpretações
Ao se analisar as três principais
interpretações, pode-se observar que cada uma tem fortes argumentos a seu
favor. A Bíblia usa o termo "filhos de Deus" tanto para seres
celestes, como para governantes e reis, como também para simples homens que
faziam parte do povo de Deus.
Porém, cada interpretação deixa em aberto
muitas questões. O aceitar a interpretação mitológica, por exemplo, implica na
negação do claro testemunho do resto das Escrituras e de Jesus (Mt 22:30)
acerca da natureza dos anjos. Além disso, permanece também o questionamento quanto
a razão de toda humanidade sofrer juízo pelo pecado de alguns seres celestes
com algumas mulheres humanas.
Contra a
interpretação real tem se levantado o questionamento de que, apesar de ser
encontrado referência a reis como "filhos de Deus" no Egito, na
Mesopotâmia e em Canaã; em Israel esse tipo de linguagem parece estar restrita
à retórica da corte e a composições poéticas, nunca sendo encontrada no Antigo
Testamento, pelo menos, em textos com o estilo de simples narrativa como em
Gênesis 6.
Além disso, o termo "filho de
Deus" nunca é atestado no Antigo Oriente Médio como uma referência
genérica a reis, mas somente em referência específica a um certo rei.
Contra a
interpretação setita tem sido objetado que visto o termo "homem" ser
usado no vs. 1 como uma referência a toda a humanidade, no vs. 2 ele deve ser
entendido também de modo genérico e não específico, como se referisse à
linhagem caimita. Em Gênesis 6:1-2 se encontra, portanto, um contraste entre
seres humanos e celestiais.
(REVISTA VIRTUAL HERANÇA JUDAICA - reinaldo.siqueira@unasp.edu.br)
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