João Calvino
Nascido na
Picardia, ao norte da França, foi batizado com o nome de Jehan Cauvin. A
tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a
origem ao nome "Calvino", pelo qual se tornou conhecido.
Calvino foi
inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu
afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto,
gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e
acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das
perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu
em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo europeu
e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da
Suíça.
Martinho Lutero
escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade.
Para muitos, Calvino terá sido para o povo de língua francesa aquilo que Lutero
foi para o povo de língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado
de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um
estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana.
Segundo Bernard
Cottret, biógrafo francês de Calvino: "Quando se observa estes dois homens
podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o
defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos
senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-cartesiano, precursor
da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza
do estilo".
O avô de João
Calvino morava nas proximidades de Noyon. Teve três filhos: Richard, que foi
serralheiro e se instalou em Paris, Jacques, igualmente serralheiro e,
finalmente, Gérard Cauvin, pai de João Calvino, que foi aquele que talvez mais
se destacou dos três, tendo feito carreira em Noyon como funcionário
administrativo.
Gérard Cauvin
estabeleceu-se em Noyon em 1481. Foi inicialmente notário da catedral. Seria,
depois, representante do bispado de Nyon; mais tarde, funcionário relacionado
com a cobrança de impostos e, finalmente, o promotor (representante) do
bispado, antes de entrar em conflito com este. Faleceu em 1531 após uma disputa
com o bispado, pela qual foi excomungado.
A mãe de
Calvino, Jeanne Le Franc, de seu nome de solteira, era filha de um dono de uma
hospedaria em Cambrai, que tinha enriquecido. Jeanne faleceu em 1515, quando
João Calvino tinha apenas 6 anos de idade.
Gérard e Jeanne
tiveram cinco filhos:
Patricia
Charles (Carlos)
- o mais velho, foi padre. Morreu em 1536.
João Calvino.
Antoine
(Antônio) - iria mais tarde viver em Genebra, junto do irmão.
François
(Francisco) - morreu ainda em tenra idade.
Haveria ainda
duas irmãs, que nasceram do segundo casamento de Gérard. Uma chamou-se Marie
(Maria) e iria também viver em Genebra. Da outra irmã sabe-se pouco.
João Calvino
nasceu em 10 de julho de 1509, nos últimos anos do reinado de Luís XII. Frequentou
inicialmente o "Collège des Capettes" em Nyon, onde adquiriu
conhecimentos básicos de latim.
Em 1 de janeiro
de 1515 o rei Francisco I de França (François, roi des français), sucedeu a
Luís XII. Inicialmente moderado em matéria de religião, a postura deste rei foi
endurecendo ao longo do seu reinado, terminando na perseguição declarada aos
protestantes.
Pela Concordata
de Bolonha, assinada no início do seu reinado, o papa Leão X concedia ao rei da
França o direito a nomear os titulares dos rendimentos da igreja. Em
contrapartida, o papa via reforçados os seus direitos sobre a Igreja em França.
Transferência a
Paris
Em 1521, com
doze anos, João Calvino ganhou o direito a uma "benefice", ou seja,
um rendimento anual que era concedido a elementos e familiares da hierarquia da
igreja. No seu caso, consistia numa determinada quantia anual de cereais pagos
por uma comunidade de La Gésine.
Em 1521 ou 1523
(data incerta) o pai enviou-o a Paris. Terá provavelmente vivido inicialmente
com o tio Richard, na zona de Sain-Germain-l'Auxerrois. Calvino começou por
frequentar o Collège de la Marche, onde foi aluno de Maturin Cordier, um grande
pedagogo do tempo. Estabeleceu, aí, amizade com as crianças da família
d'Hangest, do bispo de Noyon, que se assumia, de certa forma, como protector da
família Cauvin. Os seus amigos eram Joachin (Joaquim), Yves (Ivo) e Claude
(Cláudio), a quem mais tarde dedicaria o seu comentário a "De
Clementia" de Séneca, um autor conhecido pelo seu estoicismo.
Foi, de seguida,
admitido no Collège Montaigu, uma escola de má reputação, conhecida pela sua
rigidez, pelas sovas e má comida. A lista de professores em Montaigu, nesta
época, incluía o espanhol Antonio Coronel e o escocês John Mair (que foi
professor de Inácio de Loyola), mas não há provas definitivas de que eles
tenham sido professores de Calvino.
Em fevereiro de
1525, o rei francês Francisco I foi encarcerado temporariamente em Pavia, na
Itália pelas tropas do imperador Carlos V. Com a intervenção do papa Clemente
VII a favor de Francisco, a influência papal junto do rei de França aumenta
consideravelmente. Numa bula de 17 de maio de 1525 dirige-se a Francisco para
que tome providências contra o crescente número de "blasfemos" em
França e contra os ataques a imagens religiosas.
Em 1 de junho de
1528, teve lugar em Paris o caso da Rue des Roisiers. Uma figura de madeira
situada nessa rua (uma madona) foi decapitada por desconhecidos. O rei reagiu
de forma veemente, organizando procissões, que passaram a ser repetidas
anualmente. O incidente ainda era lembrado no século XIX.
Vida em Orleães
Em 1529, pouco
antes de atingir os vinte anos de idade, a vida de Calvino sofreu uma súbita
viragem. Vindo inicialmente para Paris com uma renda anual concedida pela
Igreja, com o fim de estudar Teologia, soube que o pai havia mudado de planos
em relação ao seu futuro e queria então que ele seguisse com estudos de
Direito. A "ciência das leis torna normalmente ricos aqueles que se
debatem com ela", referia o seu pai (ele próprio um advogado do bispado),
segundo as próprias palavras de Calvino.
Cumpriu a
vontade do pai e foi estudar Direito em Orleães, mas nunca deixou de preferir a
teologia. Como disse mais tarde: "Se Deus me deu forças para que eu
cumprisse a vontade de meu pai, determinou ele pela providência oculta que eu
tomasse finalmente um outro caminho" (o da Teologia).
Inicialmente
Calvino preparava-se para ser padre, enveredaria pelo estudo do Direito, mas
acreditava que Deus o havia trazido de novo ao caminho da Teologia.
O biógrafo francês
de Calvino, Bernard Cottret, escreveu: "Direito e leis: Calvino, o
teólogo, é no fim, também, Calvino, o jurista. O seu pensamento fica marcado
pela austeridade, a adstringência e a geometria da lei, pelo seu fascínio ou
aspiração a ela. No início do século XVI assiste-se no Direito a uma verdadeira
revolução. A retórica de Cícero tomou a primazia sobre a filosofia medieval,
que se sustentava nos seus silogismos. Com a interpretação de textos jurídicos,
Calvino tomou contacto pela primeira vez com a Filologia humanista". O
humanismo e o renascimento são, pois, os movimentos culturais que o
influenciaram em primeiro lugar.[2]
Em Orleães,
Calvino foi influenciado pelo seu professor Pierre de l'Estoile.
Em 1529,
dirigiu-se também a Bourges, para assistir a aulas do famoso professor de
direito italiano Andrea Alciati, onde também assistiu a aulas do alemão Gräzist
Wolmar, que o entusiasmou pela literatura grega da antiguidade.
Em 1529, Louis
de Berquin foi queimado vivo em Paris, numa altura em que o rei, Francisco,
estava fora da cidade.
Em 1531,
Calvino, num prefácio ao livro de um amigo, tomou partido pelo seu professor
Pierre de l'Estoile num texto que explorava a disputa entre este e Andrea
Alciati, talvez por lealdade e nacionalismo. O que prova que o Calvino de 1531
ainda não é um reformador mas, acima de tudo, um humanista. Neste mesmo ano
morre o pai, Gerard Cauvin. Calvino vai a Bourges, a Orleães e regressa de novo
a Paris, onde se instala em Chaillot.
O humanista
Erasmo de Roterdão também se interessou pela obra de Séneca.
Em 1532, foi
doutorado em Direito em Orleães. O seu primeiro trabalho publicado foi um
comentário sobre o texto do filósofo romano Séneca "De Clementia"[4].
Calvino cobriu os custos da publicação do livro com dinheiro do seu próprio
bolso. Aos 23 anos era já um famoso humanista, seguindo os passos de Erasmo de
Roterdão, que também escreveu sobre Séneca nestes anos. Em "De
Clementia" não há da parte de Calvino uma alusão explicitamente religiosa.
É antes uma obra que reflecte o estoicismo de Séneca e a predestinação no
sentido estoico. Séneca escrevera o texto como forma de apelar Nero à moderação
e à razão.
Até 1532 não há,
como se viu, qualquer indício de que Calvino tenha aderido à nova fé - nos seus
diferentes focos e graus que surgem pela Europa - onde o luteranismo surge como
um movimento mais moderado e os anabaptistas como uma força mais radical.
A conversão de
Calvino ao protestantismo permanece envolta em mistério. Sabe-se apenas que ela
se deu entre 1532 e 1533 (Calvino tem 23 ou 24 anos). Um texto escrito por
Calvino em 1557 como prefácio ao seu comentário sobre os salmos oferece-nos
alguns parcos pormenores:
"Após tomar
conhecimento da verdadeira fé e de lhe ter tomado o gosto, apossou-se de mim um
tal zelo e vontade de avançar mais profundamente, de tal modo que apesar de eu
não ter prescindido dos outros estudos, passei a ocupar-me menos com eles.
Fiquei estupefacto, quando antes mesmo do fim do ano, todos aqueles que
desejavam conhecer a verdadeira fé me procuravam e queriam aprender comigo -
eu, que ainda estava apenas no início! Pela minha parte, por natureza algo
tímido, sempre preferi o sossego e permanecer discreto, de modo que comecei a
procurar um pequeno refúgio que me permitisse recolher dos Homens. Mas, pelo contrário,
todos os meus refúgios se tornavam em escolas públicas. Em resumo, apesar de eu
sempre ter pretendido viver incógnito, Deus guiou-me por tais caminhos, onde
não encontrei sossego, até que ele me puxou para a luz forte, contrariando o
meu carácter, e como se costuma dizer, me colocou em jogo. E, na verdade,
deixei a França e dirigi-me para a Alemanha para que ali pudesse viver em local
desconhecido, incógnito, como sempre tinha desejado."
Note-se que a
França e Alemanha não existiam no sentido de hoje, como estados, mas sim em
termos de zonas de língua francesa ou alemã.
Entretanto, o
papa Clemente VII pressionava o rei de França a reprimir os protestantes
franceses. Em bulas de 30 de agosto de 1533 e de 10 de novembro do mesmo ano, o
papa exortava à "aniquilação da heresia luterana e de outras seitas que
ganham influência neste reino". Os dois encontraram-se, então, nesse mesmo
ano, em Marselha, onde discutiram entre outras coisas a "guerra contra os
turcos, lá fora, e a repressão das heresias cá dentro".
O discurso de
Nicolas Cop
Em 1 de novembro
de 1533, o novo reitor da Universidade de Paris, o humanista Nicolas Cop,
proferiu um discurso de abertura do ano lectivo na Igreja dos Franciscanos, em
Paris, frente aos mais altos representantes das quatro faculdades: Teologia,
Direito, Medicina e Artes. O seu discurso fazia eco de temas facilmente
associados à nova teologia da reforma. Nesse discurso, Nicolas fez,
particularmente, o paralelismo entre a perseguição aos primeiros cristãos e a
que ocorria agora, século XVI, na França, e que visava os cristãos
protestantes. Argumentava: Não eram também chamados de heréticos os primeiros
seguidores do cristianismo? O resultado foi a perseguição do próprio Nicolas
Cop, que teve de se refugiar em Basileia.
Simultaneamente,
João Calvino fugia também de Paris. O seu quarto no Collège de Fortet foi
revistado, e seus papéis e correspondência foram confiscados. Calvino encontrou
refúgio em Angoulême, em casa do seu amigo Du Tillet.
Não foi até hoje
esclarecido completamente o que se passou. Encontrou-se, contudo, em Genebra,
um fragmento do discurso de Nicolas Cop, escrito pela mão de Calvino. O
documento original completo encontra-se em Estrasburgo. Foi levantada a tese de
que Calvino poderia, pelo menos, ter participado na elaboração do discurso.
Calvino
permaneceu em Angoulême até abril de 1534, altura em que se dirige a Nérac,
onde se encontra com Lefèvre d'Étaples. Regressa depois a Noyon, onde em maio
de 1534 renunciou às suas "benefices". Voltou, então, a Paris e a
Orleães.
A
Psychopannychia
Em 1534, Calvino
escreveu o seu segundo livro, que foi também o primeiro sobre religião. Chamou-se
"Psychopannychia", palavra que deriva do grego e que significa:
"A vigília da alma". A tradução francesa "Psychopannychia, un
traité sur le sommeil de l'âme" ("A vigília da alma - contra o sono
da alma") introduziu a frase "sono da alma" como uma descrição
crítica da crença na mortalidade da alma, ou "mortalismo cristão",
que foi ensinada por Martinho Lutero, entre outros. É um livro relativamente
pouco conhecido, em comparação com as outras obras de Calvino. Calvino fez uma
crítica severa aos anabaptistas, que acusou de serem uma seita tresmalhada. O
livro colocou questões teológicas, mais do que oferecer respostas. Calvino, nos
seus 24 anos de idade, estava em processo de busca. Defendeu nessa obra a
imortalidade da alma. O título completo era: "Psychopannychia - tratado
pelo qual se prova que as almas permanecem vigilantes e vivas uma vez que
tenham deixado os corpos, o que contraria o erro de alguns ignorantes que
sustentam que elas dormem até ao último momento" - o que é, também, um
ataque aos anabaptistas. Apesar de escrito em 1534, o livro foi apenas
publicado em 1542.
O caso dos
cartazes de 1534 ou o caso dos Placards
Em 18 de outubro
de 1534, a história do protestantismo francês viveu um dos seus momentos mais
tensos: a disputa dos placards (paineis ou cartazes). Os placards, de 37cm por
25cm, afixados em vários locais, criticavam a celebração da missa tal como ela
era realizada oficialmente pela igreja católica. O ano de 1534 foi o da criação
da Companhia de Jesus e da organização do papa Paulo III, que viria a
excomungar o rei Henrique VIII, o criador da Igreja Anglicana.
Calvino ajudou
seus conterrâneos picardos Antonie Marcout e Fefevre d´Etaples a espalhar os
cartazes em algumas cidades próximas a Paris condenando a missa como
blafematória. Os placards foram vistos em Paris, em Orleans e até em Amboise,
onde residia o rei Francisco I. Estava decretada a perseguição aos reformados.
Os protestantes pregaram proclamações contra a missa até na própria porta do
rei, no Castelo de Amboise.
Até então, o rei
francês Francisco I tinha mostrado muita abertura de espirito, sem hesitar
aliar-se aos protestantes da Alemanha ou ao sultão. Em represaria ao que ficou
chamada affaire des placards, ordenou a caça aos heréticos. Depois de anos de
trégua, a intolerância religiosa recomeçaria.
Etapa em
Basileia
Em janeiro de
1535, Calvino dirigiu-se (alguns sustentam que teria fugido) para Basileia,
cidade onde viveu até março de 1536. Basileia era uma cidade conhecida por ter
sido o lar de Erasmo de Roterdão e do reformador Johannes Oekolampad, falecido
em 1531, sendo o seu seguidor Oswald Mykonius.
A tradução da
bíblia de Olivétahn
Em 1535 é
publicada a primeira bíblia traduzida por um protestante, em francês.
Tratava-se de uma tradução directa do hebraico (o antigo testamento) e do Grego
(o novo testamento) - línguas originais das escrituras - e não das versões
então em uso, em latim. Algo totalmente natural no século do humanismo e de
Erasmo de Roterdão. O autor é Olivétan, aliás Pierre Robert (1506-1538), primo
de João Calvino e proveniente também de Noyon. Foi publicada em Neuchâtel por
Pierre de Vingle.
Apesar de Pierre
Robert ter demonstrado um bom conhecimento de hebraico e grego, o seu estilo de
escrita foi considerado de difícil compreensão, além de uma certa falta de
fluidez discursiva. O texto foi revisto (com a colaboração de Calvino) e
publicado novamente em 1546.
O Édito de Coucy
Em 16 de julho
de 1535, o rei Francisco I de França fez publicar o Édito de Coucy, uma medida
de contemporização para com os protestantes e que corresponde também a uma nova
guerra de Francisco I contra o imperador Carlos V (Guerra de 1535-1538).
Francisco I
precisava do apoio dos protestantes alemães para o esforço de guerra e não
convinha, necessariamente, perseguir os luteranos na França. Foi prometido que
se deixariam os protestantes em paz desde que vivessem como "bons
cristãos" e renunciassem à sua fé. Mas, em dezembro de 1538, o Édito de
Coucy foi suspenso e as perseguições aos protestantes retomaram a intensidade
anterior.
Institutio
religionis Christianae
Em março de
1536, foi publicada em Basileia a primeira edição de "Institutio
religionis Christianae". No prefácio, mencionava a sua estadia em
Basileia, "enquanto na França são queimados na fogueira crentes e pessoas
santas". Falava de santos mártires. Dirigiu-se no livro ao rei Francisco I
de França, que procurava convencer das boas intenções da Reforma Protestante .
Ao mesmo tempo, a sua teologia começava a adquirir contornos mais marcados e
mais autónomos em relação ao luteranismo. Uma tendência que se fortaleceria no
futuro. Criticava a vida dos mosteiros, que comparava a bordéis. Calvino
pretendia não só a reforma da Igreja mas de todos os indivíduos. A institutio é
"a organização da sociedade daqueles que acreditam em Jesus Cristo".
Em março de
1536, Calvino viajou até Ferrara na companhia de Louis Du Tillet. Calvino
esperava um acolhimento aberto às ideias protestantes na sua estadia em
Ferrara. Enganava-se. Teria de interromper a visita logo em abril. Foi então
até Paris. Mas Calvino não teria futuro em França. Numa carta ao amigo Nicolas
Duchemin, comparou a sua situação com a dos judeus no Egipto. A França era o
seu Egipto. Queixou-se na mesma carta dos rituais da missa, considerando-os
idólatras. Calvino saiu definitivamente da França em 1536, procurando terras
politicamente independentes da França e de espíritos mais abertos para a
reforma. Dirigiu-se, então, para cidades dos territórios que hoje constituem a
Suíça.
A reforma em
Genebra
Genebra era
nesta altura já uma cidade de espíritos progressivos e abertos para a Reforma
Protestante. Politicamente, a cidade estava desde 1285 sob vassalagem aos
condes de Saboia ou à casa episcopal (ao bispo de Genebra), quase sempre
ocupada por um bispo também da casa de Saboia desde que o papa Félix V (Amadeu VIII
de Saboia) se auto-nomeou bispo da cidade. Na prática, no entanto, Genebra era
quase uma cidade-estado, uma república que desde cedo se emancipou na conquista
da sua liberdade municipal.
Em 1522
iniciou-se um conflito entre os pejorativamente chamados "mamelucos",
que eram conservadores e partidários da casa de Saboia e os
"confederados" (alemão: Eidgenossen; francês: Eidguenot) de onde
possivelmente se formará a palavra huguenotes (francês: huguenot). Estes
últimos opunham-se a Saboia. Em 1524, Carlos III, Duque de Saboia, tinha
ocupado militarmente Genebra. Porém, em 1526, Genebra decidiu-se pela união com
os cantões suíços de Berna e Friburgo, iniciando-se no caminho helvético. A
reforma protestante não teve um papel determinante neste processo, segundo
Bernard Cottret.[2] Mas a partir daqui começaramm a reunir-se em Genebra
elementos da Reforma. Em 1533, houve o primeiro culto protestante de que há
conhecimento nesta cidade. São então cunhadas moedas com a inscrição:
"Post tenebras lux" ("após as trevas, a luz").
O ano de 1536
marcou uma viragem na cidade de Genebra. Neste ano, a reforma foi adaptada
oficialmente pela cidade. Os clérigos da igreja católica foram intimados a
deixar de celebrar a missa como o faziam, com o cerimonial papista e seus
abusos (idolatria, aos olhos dos protestantes) e a juntarem-se aos
protestantes. Num novo fôlego de zelo religioso, as raparigas foram obrigadas a
usar o véu, cobrindo os seus cabelos. Já desde 1532 que se registavam ataques e
destruições de imagens religiosas, estátuas, figuras, etc. A adoração destas
figuras era vista pelos protestantes como idolatria. Houve um episódio
carismático deste fenómeno: num destes ataques à "idolatria papista",
uma multidão apoderou-se de cerca de 50 hóstias de um padre, dando-as a comer a
cão. "Se as hóstias pertencem mesmo ao corpo de Deus, não se irão deixar
comer por um cão!" - é argumentado. Em junho de 1536, são abolidos em
Genebra, por decisão de um conselho, todos os feriados, excepto os domingos.
Todas estas transformações deram-se sem a influência de Calvino. Aliás, ainda
nem sequer aí tinha chegado.
Chegada de
Calvino a Genebra
Genebra nos dias
de hoje, uma das cidades mais ricas do mundo.
1536 é também o
ano da chegada de Calvino a Genebra. Calvino tinha nessa altura 26 anos.
Após a estadia
em Ferrara, na primavera de 1536, Calvino tinha estado em Paris,
aproveitando-se de um período de relativa calma na perseguição aos
protestantes. Tratou de assuntos pessoais e da família. Em junho, faz em Paris
uma procuração em nome do seu irmão. Em julho de 1536, João Calvino,
pretendendo dirigir-se a Estrasburgo, iniciou a viagem, juntamente com o irmão
Antoine e a irmã Marie. Em vez de tomar o caminho mais curto, Calvino fez um
desvio pelo sul, evitando a área onde a guerra entre as forças de Francisco I e
Carlos V são uma ameaça. Por coincidência, Calvino chegou a Genebra, onde
permaneceu, apesar de ter inicialmente pretendido continuar viagem, o que foi
vivamente desaconselhado pelo reformador Guillaume Farel (na altura de 47 anos de
idade). O caminho para Estrasburgo encontrava-se inseguro por causa da guerra.
A Genebra que Calvino encontrou vivia ainda a agitação dos conflitos entre
mamelucos e confederados.
João Calvino já
tinha viajado até Estrasburgo durante as guerras otomanas, e passado através
dos cantões da Suíça. Aquando da sua estadia em Genebra, Guillaume Farel pediu
ajuda a Calvino na sua causa pela igreja. Calvino escreveu sobre este pedido:
"senti como se Deus no céu tivesse colocado a sua poderosa mão sobre mim para
barrar-me o caminho"". Após 18 meses, as mudanças de Calvino e Farel
levariam à expulsão de ambos.
A disputa
teológica de Lausana
Entre 1 e 8 de
outubro de 1536, teve lugar na Catedral de Notre-Dame em Lausana uma disputa
teológica entre protestantes e católicos, na qual Calvino e Farel participaram.
Este tipo de conferências de disputa teve por modelo os debates que Ulrico
Zuínglio tinha organizado em Zurique (1523) e Berna (1528). Do lado católico
encontrava-se Pierre Caroli, que iria acusar, em Berna, Calvino e Farel de
heresia. Calvino foi também acusado por Caroli de arianismo.
A saída
atribulada de Genebra
A 16 de janeiro
de 1537, as autoridades da cidade de Genebra aprovaram o documento escrito pelo
líder protestante Farell, que se destinava a servir de confissão de fé e
orientação para todos os habitantes de Genebra. Calvino fez também algumas
sugestões, parte das quais foram rejeitadas. Cerca de vinte artigos dispõem,
entre outras coisas, que os idólatras, querulantes, assassinos, ladrões,
bêbados (entre outros) sejam futuramente excomungados. As lojas deviam fechar
ao domingos, assim que soassem os sinos da igreja.
Estas
disposições, apesar de aceites pelas autoridades criaram atritos com Farell e
Calvino. O estigma da excomunhão é extremamente discriminador e destruidor de
relações sociais no século XVI.
Em março, os
líderes anabaptistas de origem holandesa Hermann de Gerbihan e Benoît d'Anglen
são expulsos de Genebra, juntamente com os seus seguidores.
Em abril de
1537, por sugestão de Calvino, foi constituído um "syndic" (síndico)
que teve por objectivo ir de casa em casa e inquirir sobre a confissão dos
moradores. A acção foi contestada. Alguns moradores recusaram-se a
pronunciar-se sobre a sua fé.
Em junho de
1537, as autoridades de Genebra decidiram que o domingo seria o único dia
feriado. Futuramente nenhum outro feriado seria considerado.
O dia 30 de
outubro foi definido como o prazo para todos os moradores de Genebra se
pronunciarem quanto à sua religião. Aqueles que não reconhecem os decretos de
Farell são obrigados a deixar a cidade em 12 de novembro.
Após esta data,
a situação complicou-se para Farell e Calvino. Particularmente provocante foi o
facto de um estrangeiro (francês), como Calvino, decidir sobre a excomunhão e
expulsão de habitantes naturais de Genebra. As autoridades, perante estes
protestos, passam a ser mais críticas para com os líderes protestantes.
A 3 de fevereiro
de 1538 foram eleitos para as autoridades da cidade de Genebra quatro pessoas
que eram inimigos de Calvino e dos protestantes. Em março, estas novas
autoridades proibiram Calvino e Farell de se pronunciarem sobre assuntos não
religiosos.
Calvino e Farell
negaram-se a celebrar a comunhão de acordo com a tradição de Berna. Foram
proibidos de celebrar os serviços religiosos. No entanto, no domingo seguinte,
21 de abril de 1538, Farell e Calvino celebraram o culto de Ceia como
habitualmente, Farell na Igreja de Saint-Gervais e Calvino na de Saint-Pierre.
As autoridades deram-lhes três dias para saírem da cidade.
Estrasburgo
Em 1538, Farell
irá refugiar-se em Neuchâtel. Calvino dirige-se a Estrasburgo, após ter
inicialmente pretendido ir para Basileia. Estrasburgo era na altura parte da
zona de língua alemã, mas a proximidade da fronteira com a França significava
que ali se tinha desenvolvido uma comunidade de exilados franceses. Tal como em
Genebra Farell reconhecera o potencial de Calvino, em Estrasburgo Martin Bucer
foi o protector de Calvino. Durante três anos, Calvino dirigiu em Estrasburgo
uma igreja de protestantes franceses, a convite de Bucer.
Segundo o
biógrafo Courvoisier, Estrasburgo foi a cidade onde Calvino tornou-se
verdadeiramente Calvino. O seu sistema de pensamento foi lá consubstanciado em
algo de mais marcadamente original. A sua obra Institutio lá foi re-editada
(1539). Era então três vezes maior do que a primeira edição.
Em outubro de
1539, Pierre Caroli chegou a Estrasburgo, onde permaneceu pouco tempo. Caroli e
Calvino, inimigos desde há anos, tiveram uma disputa. Caroli estava então
algures entre o catolicismo e o protestantismo. Ele acusou Calvino de o ter
confundido na sua fé. Calvino sofreu uma crise nervosa.
Neste outono de
1539, Calvino escreveu também um comentário à carta de Paulo aos Romanos. Este tema
é particularmente querido do protestantismo, porque ali se encontra a
justificação através da fé como a base de sustentação do movimento protestante,
pois somente a fé salva e justifica. A igreja é por este prisma mais uma
comunidade de crentes do que um enquadramento jurídico. Os sacramentos só
recebem o seu sentido através da fé. Sem fé não têm qualquer efeito. Já Lutero
tinha destacado a carta de Paulo aos romanos como o cerne do Novo Testamento e
o mais alto do evangelho.
Matrimônio
Em Estrasburgo,
Calvino casou-se em agosto de 1540 com a viúva Idelette de Bure, que tinha sido
previamente adepta do anabaptismo. Traz duas crianças do seu prévio casamento.
Calvino tem 31 anos de idade. A cerimónia do casamento foi dirigida por
Guillaume Farel.
Em 1541 a peste
negra (ou peste bubónica) recrudesceu em Estrasburgo. Idelette e as duas
crianças procuram abrigo em casa de um irmão dela, nas redondezas.
Regresso a
Genebra
Após a expulsão
de Calvino, Genebra tinha adoptado os ritos de Berna. O natal, ascensão de
Cristo e outras festividades cristãs voltaram a ser praticadas. Mas os
católicos e os anabaptistas continuavam a ser perseguidos e
"convidados" a deixar a cidade. A 18 de março de 1539 o jogo tinha
sido proibido em Genebra. Pedintes e vagabundos eram expulsos da cidade. A
ausência de Calvino não tinha significado qualquer laxismo na moral estrita
imposta na cidade.
As relações de
Genebra com Berna permanecem tensas. Entretanto, os líderes que se opunham a
Calvino (os chamados "artichoques") começaram a perder influência.
Foram acusados de simpatia por Berna. Jean Philip (João Filipe), um de seus
líderes, foi torturado e decapitado em 1540. Os oponentes, favoráveis a
Calvino, chamados de "guillermins" ganham o poder.
Calvino foi
convidado em outubro de 1540 a regressar a Genebra, para reaver o seu posto na
igreja, tal como o tivera antes da expulsão. A 13 de setembro de 1541, Calvino
chegou pela segunda vez a Genebra, mas, desta vez definitivamente. Começou,
então, a organizar e estruturar, de acordo com as linhas bíblicas, os
ministérios e a acção dos professores e diáconos.
Zelo religioso
radical
Estátua de João
Calvino no Museu Internacional da Reforma Protestante de Genebra.
São ainda de
1541 as propostas de Calvino, no sentido da reorganização da igreja. As
"Ordonnances de 1541" dispuseram a formação de quatro corpos:
Pasteurs
(pastores, que pregam)
Docteurs
(ensinam)
Anciens (os mais
velhos, que chamam à ordem aqueles que prevaricam)
Diacres
(diáconos, que ocupam-se dos pobres e doentes) - mendigar é estritamente
proibido
Foi decidida
também a criação de um consistório - composto de elementos da igreja e de
laicos - que se reúne regularmente para julgar os comportamentos individuais,
como um tribunal, "de acordo com a palavra de Deus", sendo a excomunhão
de pessoas a mais grave sentença que pode decidir.
A eucaristia só
era praticada quatro vezes por ano.
Em 1542 Calvino
publicou em Genebra o seu livro de catecismo: "Catéchisme de l'Église de
Genève, c'est-a-dire, le formulaire d'instruire les enfants en la
chrétienté". A chave do projecto de Calvino passava pela pedagogia. O seu
objectivo era a profunda transformação das mentalidades. Cada resquício de
superstição, de práticas de magia, ou de catolicismo era perseguido como
idolatria.
O consistório,
do qual Calvino fazia parte, ocupava-se desses e de outros casos. Refiram-se
alguns:
Em 1542, uma
mulher chamada Jeanne Petreman foi acusada de se recusar a participar da
eucaristia, de dizer o pai-nosso em língua "romana" e de proclamar
que a Virgem Maria era a sua defensora. Dizia também que se negava a acreditar
noutra fé que não a sua. Foi excomungada.
Em 2 de setembro
de 1546, apareceu em Genebra um franciscano que pedia na rua um jantar em nome
de Deus e da Virgem Maria. Devemos pressupor que ele obteve o seu jantar mas
foi também levado ao consistório, que logo constatou que o "papista"
mal conhecia a Bíblia, além de ser inofensivo. Foi expulso da cidade, para o
lado da fronteira, com os católicos.
A 23 de junho de
1547 compareceram perante o consistório várias mulheres que tinham sido
apanhadas a dançar - uma delas era a esposa de um dos membros do consistório. O
caso ganhou contornos de escândalo. As mulheres foram condenadas a alguns dias
de prisão, apesar de vários apelos. Em reacção à decisão, foram colocados na
cidade cartazes contra Calvino. O autor dos cartazes, Jacques Gruet, foi
torturado. Depois de confessar a sua autoria, foi executado.
Em 1548, Louis
Le Barbier foi interrogado sobre a sua fé. Declarou que não tinha fé.
Entretanto, descobriram livros de bruxaria e de escórnio na sua posse. Foi
admoestado perante o consistório mas não foi perseguido.
Os nomes de
baptismo são regulamentados. Devem ser nomes que figuram na Bíblia. Um decreto
de 22 de novembro de 1546 dispôs que certos nomes eram proibidos, entre os
quais:
Suaire, Claude,
Mama (lembram a idolatria)
Baptistes, Juge,
Evangéliste
Dieu le Fils,
Espoir, Emmanuel, Sauveur, Jésus (destinados apenas a nosso senhor)
Sépulcre, Croix,
Noël, Pâques, Chrétien (nomes estúpidos ou absurdos)
O luxo e a pompa
eram desprezados. Em setembro de 1558, Nicolas des Gallars, um amigo de
Calvino, iniciou uma grande campanha na cidade em desprezo do supérfluo, as
modas entre as mulheres e as más leituras. Foram queimados vários exemplares do
livro "Amadis de Gaula", na posse de um comerciante. O zelo religioso
tomava a forma de censura moral.
Peste Negra em
Genebra
Em 1542, há um
surto de peste negra em Genebra. A peste negra permanecia então um fenómeno
incompreensível - para lidar com a epidemia, era normal que se multiplicassem
os casos de feitiçaria e de rituais contra a peste. Este tipo de práticas já
eram conhecidos em Genebra antes da reforma e, tal como antes, os protestantes
replicavam com a perseguição, tortura e morte dos suspeitos. Aquelas que são
identificadas como bruxas são queimadas vivas, enquanto se propaga a ideia de
que estas desgraças são um castigo de Deus.
Em 1542, o filho
de Calvino, Jacques, morreu pouco depois de nascer em 28 de julho.
A caça às bruxas
foi um fenômeno da Idade Moderna, uma espécie de onda persecutória que atingiu
a Europa Central e Ocidental. Era praticada principalmente pelos magistrados
das cidades. Por conta das epidemias que surgiram em Genebra, em 1545, foram
julgados 43 "fomentadores de peste", dos quais 39 foram executados
(90 % dos casos).
Crescimento
demográfico
A partir de 1542
e sobretudo na década de 1550, a cidade de Genebra conheceu um grande
crescimento demográfico, com a chegada de refugiados franceses, protestantes
perseguidos em França. Consequentemente, há uma fase de expansão económica
(relojoaria e tecelagem) e a língua francesa começoy a ter preponderância sobre
o dialecto franco-provençal da região.
Mas também foi
uma época marcada pelo crescimento de sentimentos xenófobos, em parte devidos a
ressentimentos contra Calvino:
Em janeiro de
1546 foi preso Pierre Ameaux, que tinha injuriado publicamente Calvino, ao
referir-se a este como um "picard", pregador de uma falsa fé.
Um outro senhor
Ameaux foi preso mais tarde por razões semelhantes. Este senhor tinha boas
razões para não gostar do extremo zelo religioso imposto por Calvino, já que
era fabricante de cartas de jogo. Foi condenado a percorrer a cidade de uma
ponta à outra, descalço, em camisa, com uma vela na mão.
A 23 de setembro
de 1547, François Favre compareceu em tribunal por ter afirmado que Calvino se
auto-nomeara bispo de Genebra e que os franceses tinham escravizado a sua
cidade natal.
Mais tarde, em
1548, um senhor chamado Nicole Bromet declarou que os franceses deveriam ser todos
colocados num barco e enviados pelo rio Reno abaixo.
Em 1547,
Henrique II de França sucedeu a Francisco I. Henrique foiá um rei menos
reconhecido, em comparação com Francisco. Foi caracterizado como menos
carismático, menos entusiasta pelas artes e ciências, mais introvertido e frio.
Em 29 de março
de 1549 morreu Idellete Calvino, após doença . Calvino não tornou a casar.
Dedicou-se ainda mais decididamente ao trabalho.
Em 1550, a
repressão dos huguenotes em França cresceu. Foi estabelecida a chambre ardente.
A censura foi fortalecida.
Miguel Servet
Estátua de
Miguel Servet na praça Aspirant Dunand, em Paris. Miguel Servet foi um
cientista e reformador protestante, sentenciado à morte a fogueira por suas
ideias teológicas pelo Conselho de Genebra.
Miguel Servet
foi um cientista e reformador, primeiro a descrever a circulação pulmonar, condenado
à morrer na fogueira por suas idéias teológicas pelo Conselho de Genebra. A
relação entre Servet e Calvino inicia-se em 1553, quando Servet publicou uma
obra religiosa com exibições anti- trinitárias, intitulada Restituição do
Christianismo, um trabalho que rejeitou a ideia de predestinação e que Deus
condenava almas para o inferno, independentemente do valor ou mérito. Deus,
insistiu Servet, não condenaria ninguém, Calvino, que havia recentemente
escrito o resumo de sua doutrina em Institutas da Religião Cristã, considerou o
livro de Servet um ataque a suas teorias, e enviou uma cópia de seu próprio
livro como resposta. Servet prontamente devolveu, cuidadosamente anotando
observações críticas. Servet escreveu a Calvino "eu não te odeio, nem te
desprezo, nem quero vos perseguir, mas eu gostaria de ser tão duro como o
ferro, quando eis que insultaste a doutrina com som e audácia tão grande."
As resposta de
Calvino ficaram cada vez mais violentas, até que ele parou de falar com Servet.
Servet enviou diversas outras cartas, mais Calvino se recusou à respondê-las e
considerou-as heréticas. Posteriormente
Calvino demonstrou suas opinões sobre Servet, quando escreve ao seu amigo
Guilherme Farel em 13 de fevereiro de 1546:
Servet acaba de
me enviar um volume considerável dos seus delírios. Se ele vir aqui (...), se
minha autoridade valer algo, eu nunca lhe permitiria sair vivo ("Si
venerit, modo valeat mea autoritas, patiar nunquam vivum exire").
Em 13 de agosto
de 1553, Servet passou em Genebra, e quando ouvia um sermão de Calvino em
Genebra e foi imediatamente reconhecido e preso. Calvino insistiu na condenação
de Servet usando todos os meios ao seu comando.
Em seu
julgamento pelo Conselho de Genebra, segundo a maioria dos historiadores,
Servet foi condenado pela difusão e pregação do antitrinitarismo e por ser
contra o batismo infantil.O procurador (procurador-chefe público), acrescentou
algumas acusações como "se ele não sabia que sua doutrina era perniciosa,
considerando que ela favorece os judeus e os turcos, por inventar desculpas
para eles, e se ele não estudou o Alcorão, a fim de desmentir e rebater as
doutrina e a religião das igrejas cristãs(...)".
Calvino
acreditava que Servet mereceu ser morto por causa do que ele denominou como
"blasfêmias execráveis". Todavia, não concordou que ele fosse morto à
fogueira, mas sim à guilhotina. Porém, o Conselho não deu ouvidos à Calvino.
Calvino então consultou outros reformadores sobre a questão de Servet, como os
sucessores imediatos de Martinho Lutero, bem como reformadores de locais como
Zurique, Berna, Basel e Schaffhausen, todos concordaram universalmente com sua
execução. Em 24 de outubro Servet foi condenado à morte na fogueira por negar a
Trindade e o batismo infantil. Calvino sugeriu que Servet fosse executado por
decapitação, em vez de fogo, mais seu pedido não foi atendido. Em 27 de outubro
de 1553 a pena foi aplicada nos arredores de Genebra com o que se acreditava
ser a última cópia de seu livro acorrentado a perna de Servet. Após o ocorrido
Calvino escreveu:
Quem sustenta
que é errado punir hereges e blasfemadores, pois nos tornamos cúmplices de seus
crimes (…). Não se trata aqui da autoridade do homem, é Deus que fala (…).
Portanto se Ele exigir de nós algo de tão extrema gravidade, para que mostremos
que lhe pagamos a honra devida, estabelecendo o seu serviço acima de toda
consideração humana, que não poupamos parentes, nem de qualquer sangue, e
esquecemos toda a humanidade, quando o assunto é o combate pela Sua glória.
Relacionamento
com a reforma inglesa
Por volta de
1550, Calvino escreveu ao rei Eduardo VI de Inglaterra, um protestante,
encorajando-o nas suas reformas. O rei Eduardo VI fez acolher protestantes
franceses, perseguidos no país natal. Após o reinado de Eduardo VI (1547-1553)
o catolicismo regressou à Inglaterra sob a liderança de Maria Tudor.
A discordância
com Lutero
Martinho Lutero
(retrato Lucas Cranach o Velho - 1529).
No movimento
reformista, Lutero não concordou com o "estilo" de reforma de João
Calvino. Martinho Lutero queria reformar a Igreja Católica,[18] enquanto João
Calvino acreditava que a Igreja estava tão degenerada que não havia como
reformá-la. Calvino se propunha a organizar uma nova Igreja que, na sua
doutrina (e também em alguns costumes), seria idêntica à Igreja Primitiva. Já
Lutero decidiu reformá-la, mas afastou-se desse objetivo, fundando, então, o
protestantismo, que não seguia tradições, mas apenas a doutrina registrada na
Bíblia, e cujos usos e costumes não ficariam presos a convenções ou épocas. A
doutrina luterana está explicitada no "Livro de Concórdia", e não
muda, embora os costumes e formas variem de acordo com a localidade e a época.
Novas
dificuldades
Entre 1553 e
1555, em Genebra, a relação tensa entre a igreja - particularmente o
consistório, onde Calvino era uma figura de relevo - e as autoridades seculares
da cidade, eleitas entre os habitantes (ricos) da cidade, atingiu o seu auge.
Discutia-se, então, a questão de saber se o consistório teria ou não o direito
de excomungar pessoas, algo que se vinha a passar com relativa frequência. As
amargas trocas de palavras entre estes dois pólos multiplicaram-se. Por um
lado, o zelo religioso dos Calvinistas, do outro, a autoridade política da
cidade. Em janeiro de 1555, houve uma procissão noturna de pessoas em Genebra,
caminhando de vela na mão, com a pretensão de ridicularizar Calvino.
Apesar disso, e
em parte por causa do peso relativo da população protestante francesa que se
tinha refugiado na cidade, as eleições dos quatro novos "Syndics" de
Genebra em Fevereiro de 1555 é favorável aos Calvinistas, que se impõem contra
os "Enfants de Genève" sob a liderança de Perrin. Após as eleições,
porém, há desacatos na rua entre as duas partes. Perrin e outros líderes da
revolta são presos e serão decapitados e esquartejados. Os pedaços dos
cadáveres foram, depois, exibidos nas ruas da cidade.
Também a
doutrina da Predestinação foi muito atacada nestes anos, principalmente por um
monge carmelita chamado Hiérome Bolsec, nascido em Paris, que se tinha
estabelecido em Genebra. Argumentava que se Deus fosse o responsável por tudo o
que se passa, então, também seria responsável pelos nossos pecados. Calvino
responde que nunca disse isso e as autoridades apoiam-no. Em Berna, os críticos
de Calvino foram expulsos da cidade em 1555.
Em 1555, são
erguidas as primeiras igrejas calvinistas em França, nomeadamente em Paris,
Meaux, Angers, Poitiers e Loudun. Nos três anos seguintes surgiram as
comunidades de Orleães, Rouen, La Rochelle, Toulouse, Rennes e Lyon.
Em 8 de junho de
1558, Calvino escreve a Antoine de Bourbon, o rei de Navarra e consorte de
Jeanne d'Albret, exortando-o a seguir na sua vida privada os mesmos valores
ascéticos que os seus súbditos.
Entre 26 e 29 de
maio de 1559, realizou-se em Paris um sínodo nacional protestante. Cerca de 30
paróquias aparecem aí representadas. O sínodo foi responsável pela elaboração
de um texto de linhas orientadoras (com a participação de Calvino na sua
criação), que se chamou Confession de La Rochelle (texto confirmado nesta
cidade em 1571).
Em 1559 Calvino,
fundou uma escola e um hospital.
Em abril de
1559, foi assinado o pacto de paz entre a França e a Espanha, em
Cateau-Cambrésis.
Morte
Nos seus últimos
anos de vida, a saúde de Calvino começou a vacilar. Sofrendo de enxaquecas,
hemorragia pulmonar, gota e pedras nos rins foi, por vezes, levado carregado
para o púlpito. Calvino continuava a ter detratores declarados que lhe dirigiam
ameaças constantes.
Entretanto,
apreciava passar os seus tempos livres no lago de Genebra, lendo as escrituras
e bebendo vinho tinto. No fim de sua vida disse a seus amigos que estavam
preocupados com o seu regime diário de trabalho: "Qual quê? Querem que o
Senhor me encontre ocioso quando ele chegar?"
João Calvino
morreu em Genebra a 27 de maio de 1564. Foi enterrado numa sepultura simples e
não marcada, conforme o seu próprio pedido no Cimetière des Rois, Genebra na
Suíça.
Referências
Wikipedia
Biografia de
João Calvino (em português) Página visitada em 26 de maio de 2012.
Cottret, Bernard (2000). Calvin: A Biography. Grand
Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans. 0-8028-3159-1
Traduzido para o inglês do original Calvin: Biographie, Edição de Jean-Claude
Lattès, 1995.
Alderi Souza de
Matos. «João Calvino - Cronologia». Portal Mackenzie. Consultado em 31 de março
de 2010
João Calvino -
Vida e Obra». 500 Anos de Calvino-IPI do Brasil. Consultado em 13 de abril de
2010
Ir para cima ↑ Ferreira, Franklin (27 de agosto de
2014). «Uma Introdução a Max Weber e à obra "A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo"» (PDF). Universidade Mackenzir Verifique data em:
|ano= / |data= mismatch (ajuda)
Ir para cima ↑ Gomes, Antônio Máspoli de Araújo (2002).
«O Pensamento de João Calvino e a Ética Protestante de Max Weber, Aproximações
e Contrastes» (PDF). Universidade Mackenzie. Consultado em 27 de agosto de 2014
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