É lícito o crente participar das Festas Juninas?
A festa celebra o nascimento de
João Batista, que virou um dos santos católicos. É realizada no dia 24 de junho
com base no fato que João Batista havia nascido seis meses antes de Jesus (Lc
1:26,36). Se o nascimento de Jesus (Natal) é celebrado em 25 de dezembro, então
o de João Batista é celebrado seis meses antes, em 24 de junho. É claro que
estas datas são convenções, apenas, pois não sabemos ao certo a data do
nascimento do Senhor.
A origem das fogueiras nas
celebrações deste dia é obscura. Parece que vem do costume pagão de adorar seus
deuses com fogueiras. Os druidas britânicos, segundo consta, adoravam Baal com
fogos de artifício. Depois a Igreja Católica inventou a história que Isabel
acendeu uma fogueira para avisar Maria que João tinha nascido. Outra lenda é
que na comemoração deste dia, fogueiras espontâneas surgiram no alto dos
montes.
Já a quadrilha tem origem
francesa, sendo uma dança da elite daquele país, que só prosperou no Brasil
rural. Daí a ligação com as roupas caipiras. Por motivos obscuros acabou
fazendo parte das festividades de São João.
Fazem parte ainda das celebrações
no Brasil (é bom lembrar que estas festas também são celebradas em alguns
países da Europa) as comidas de milho – provavelmente associadas com a
quadrilha que vem do interior – as famosas balas de “Cosme e Damião.” São
realizadas missas e procissões, muitas rezas e pedidos feitos a São João. As
comidas são oferecidas a ele.
Se estas festividades tivessem
somente um caráter religioso e fossem celebradas dentro das igrejas como se
fossem parte das atividades dos católicos, não haveria qualquer dúvida quanto à
pergunta, “pode um evangélico participar?” Acontece que as festas juninas foram
absorvidas em grande parte pela cultura brasileira de maneira que em muitos
lugares já perdeu o caráter de festa religiosa. Para muitos, é apenas uma festa
onde acendem-se fogueiras, come-se milho preparado de diferentes maneiras e
soltam-se fogos de artifício, sem menção do santo, e sem orações ou rezas
feitas a ele.
Paulo enfrentou um caso
semelhante na igreja de Corinto. Havia festivais pagãos oferecidos aos deuses
nos templos da cidade. Eram os crentes livres para participar e comer carne que
havia sido oferecida aos ídolos? A resposta de Paulo foi tríplice:
O crente não deveria ir ao
templo pagão para estas festas e ali comer carne, pois isto configuraria culto
e portanto, idolatria (1Cor 10:19-23). Na mesma linha, eu creio que os crentes
não devem ir às igrejas católicas ou a qualquer outro lugar onde haverá oração,
rezas, missas e invocação do São João, pois isto implicaria em culto idólatra e
falso.
Paulo disse ainda que o crente
poderia aceitar o convite de um amigo pagão e comer carne na casa dele, mesmo
com o risco de que esta carne tivesse sido oferecida aos ídolos. Se, todavia,
houvesse alguém presente ali que se escandalizasse, o crente não deveria comer
(1Cor 10:27-31). Fazendo uma aplicação para nosso caso, se convidado para ir a
casa de um amigo católico neste dia para comer milho, etc., ele poderia ir,
desde que não houvesse atos religiosos e desde que ninguém ali ficasse
escandalizado.
E por fim, Paulo diz que o
crente pode comer de tudo que se vende no mercado sem perguntar nada. A exceção
é causar escândalo (1Cor 10:25-26). Aplicando para nosso caso, não vejo
problema em o crente comer milho, pamonha, mungunzá, etc. neste dia e estar
presente em festas juninas onde não há qualquer vínculo religioso, desde que
não vá provocar escândalos e controvérsias. Se Paulo permitiu que os crentes
comessem carne que possivelmente vieram dos templos pagãos para os açougues,
desde que não fosse em ambiente de culto, creio que podemos fazer o mesmo,
ressalvado o amor que nos levaria à abstinência em favor dos que se
escandalizariam.
Segue abaixo parte de um livro meu onde abordo com mais
detalhes o que Paulo ensinou aos coríntios em casos envolvendo a liberdade
cristã.
O Culto Espiritual
Augustus Nicodemus Lopes. Cultura Cristã, 2012.
“A situação de Corinto era
diferente. O problema lá não era o mesmo tratado no concílio de Jerusalém. O
problema não era os escrúpulos de judeus cristãos ofendidos pela atitude
liberal de crentes gentios quanto à comida oferecida aos ídolos. Portanto, a
solução de Jerusalém não servia para Corinto. É provavelmente por esse motivo
que o apóstolo não invoca o decreto de Jerusalém.[1] Antes, procura responder
às questões que preocupavam os coríntios de acordo com o princípio fundamental
de que só há um Deus vivo e verdadeiro, o qual fez todas as coisas; que o ídolo
nada é nesse mundo; e que fora do ambiente do culto pagão, somos livres para
comer até mesmo coisas que ali foram sacrificadas.
1. A primeira pergunta dos
coríntios havia sido: era lícito participar de um festival religioso num templo
pagão e ali comer a carne dos animais sacrificados aos deuses? Não, responde
Paulo. Isso significaria participar diretamente no culto aos demônios onde o
animal foi sacrificado (1 Co 10.16-24).
Paulo havia dito que os deuses dos
pagãos eram imaginários (1 Co 10.19). Por outro lado, ele afirma que aquilo que
é sacrificado nos altares pagãos é oferecido, na verdade, aos demônios e não a
Deus (10.20). Paulo não está dizendo que os gentios conscientemente ofereciam
seus sacrifícios aos demônios.
Obviamente, eles pensavam que estavam servindo
aos deuses, e nunca a espíritos malignos e impuros. Entretanto, ao fim das
contas, seu culto era culto aos demônios. [2] Paulo está aqui refletindo o
ensino bíblico do Antigo Testamento quanto ao culto dos gentios:
Sacrifícios
ofereceram aos demônios, não a Deus... (Dt 32.17)
...pois imolaram seus filhos e suas filhas aos demônios (Sl
106.37).
O princípio fundamental é que o homem
não regenerado, ao quebrar as leis de Deus, mesmo não tendo a intenção de
servir a Satanás, acaba obedecendo ao adversário de Deus e fazendo sua vontade.
Satanás é o príncipe desse mundo.
Portanto, cada pecado é um tributo em sua
honra. Ao recusar-se a adorar ao único Deus verdadeiro (cf. Rm 1.18-25), o
homem acaba por curvar-se diante de Satanás e de seus anjos.[3] Para Paulo,
participar nos festivais pagãos acabava por ser um culto aos demônios. Por esse
motivo, responde que um cristão não deveria comer carne no templo do ídolo.
Isso eqüivaleria a participar da mesa dos demônios, o que provocaria ciúmes e
zelo da parte de Deus (1 Co 10.21-22).
Paulo deseja deixar claro para os
coríntios “fortes”, que não tinham qualquer intenção de manter comunhão com os
demônios, que era a atitude deles em participar nos festivais do templo que
contava ao final. Era a força do ato em si que acabaria por estabelecer
comunhão com os demônios.[4]
2. Era lícito comer carne
comprada no mercado público? Sim, responde Paulo. Compre e coma, sem nada
perguntar (1 Co 10.25). A carne já não está no ambiente de culto pagão. Não
mantém nenhuma relação especial com os demônios, depois que saiu de lá. Está
“limpa” e pode ser consumida.
3. Era lícito comer carne na
casa de um amigo idólatra? Sim e não, responde Paulo. Sim, caso não haja, entre
os convidados, algum crente “fraco” que alerte sobre a procedência da carne (1
Co 10.27). Não, quando isso ocorrer (1 Co 10.28-30).
O ponto que desejo destacar é
que para o apóstolo Paulo a carne que havia sido sacrificada aos demônios no
templo pagão perdia a “contaminação espiritual” depois que saia do ambiente de
culto. Era carne, como qualquer outra. É verdade que ele condenou a atitude dos
“fortes” que estavam comendo, no próprio templo, a carne sacrificada aos
demônios.
Mas isso foi porque comer a carne ali era parte do culto prestado aos
demônios, assim como comer o pão e beber o vinho na Ceia é parte de nosso culto
a Deus. Uma vez encerrado o culto, o pão é pão e o vinho é vinho. Aliás,
continuaram a ser pão e vinho, antes, durante e depois. A mesma coisa ocorre
com as carnes de animais oferecidas aos ídolos. E o que é verdade acerca da
carne, é também verdade acerca de fetiches, roupas, amuletos, estátuas e
objetos consagrados aos deuses pagãos.
Alguma dúvida pode surgir se as
criaturas de Deus se tornam impuras ao serem usadas pelos incrédulos em
sacrifícios. Paulo nega tal conceito, porque o senhorio e possessão de toda
terra permanecem nas mãos de Deus. Mas, pelo seu poder, o Senhor sustenta as
coisas que tem em suas mãos, e, por causa disto, ele as santifica. Por isso,
tudo que os filhos de Deus usam é limpo, visto que o tomam das mãos de Deus, e
de nenhuma outra fonte.[5]”
[1] Note que Paulo não teve qualquer problema em anunciar o
decreto em Antioquia, o que produziu muito conforto entre os irmãos (At
15.30-31).
[2] Não somente Paulo, mas os cristãos em geral tinham esse
conceito. João escreveu: “Os outros homens, aqueles que não foram mortos por
esses flagelos, não se arrependeram das obras das suas mãos, deixando de adorar
os demônios e os ídolos de ouro, de prata, de cobre, de pedra e de pau, que nem
podem ver, nem ouvir, nem andar” (Ap 9.20).
[3] Cf. Charles Hodge, A
Commentary on 1 & 2 Corinthians (Carlisle, PA: Banner of Truth, 1857; reimpressão
1978) 193.
[4] Hodge (1 & 2 Corinthians, 194) chama a nossa atenção
para o fato de que o mesmo princípio se aplica hoje aos missionários que, por
força da “contextualização”, acabam por participar nos festivais pagãos dos
povos. Semelhantemente, os protestantes que participam da Missa católica, mesmo
não tendo intenção de adorar a hóstia, acabam cometendo esse pecado, ao se
curvar diante dela.
[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, em Comentário à
Sagrada Escritura, trad. Valter G. Martins (São Paulo: Paracletos, 1996) 320.
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